A chegada do irmãozinho

Um novo bebê agita qualquer família, seja quando inaugura a posição de filho ou ainda quando se soma a um já existente. É muito comum um filho “pedir um irmãozinho”. Por que será? Querer uma companhia, alguém para brincar, para exercer seu sadismo e autoritarismo (“quero um irmãozinho pra eu poder mandar nele”) ou ainda, num nível mais profundo, para sentir que a experiência que os pais tiveram com ele foi boa a ponto de quererem vivenciar isso de novo, com a “garantia” que nada nos pais foi danificado com o nascimento dele.

Mas podemos nos surpreender ao investigar o que a criança imagina que seria isso. Uma mãe engravida e vem mais um menino, o primeiro filho diz: “Mas eu não quero um irmão, quero uma irmã, pode devolver esse”. A cabeça da criança, ainda bastante concreta, pode funcionar assim: não gostou? É só devolver.

O filme “O pequeno Nicolau” (veja o trailer aqui) traz várias vivências de uma criança que imagina estar recebendo um irmão e o desespero no qual ele se envolve. Esses tempos, circulou um vídeo na internet (que pode ser acessado aqui) de um irmão com um recém-nascido no colo; de repente, não mais que de repente, ele joga o nenê pra trás e os pais saem desesperados.

Os mais puritanos dirão: “Mas que horror! Um irmão tem que gostar do outro, serem amigos”. É muito bom quando isso pode acontecer, mas uma relação verdadeira é ambivalente por natureza. Há momentos que se ama, partes da pessoa ou da posição que ela ocupa que se adora e outras que preferíamos que não existisse.

Ciúme, rivalidade e inveja. Trio danado de lidar dentro da gente, que está presente em muitos momentos, em várias relações. E o palco principal desse trio é a relação fraterna. As crianças são incríveis em sua transparência e muitas vezes em ainda não terem desenvolvido a capacidade de continência que os adultos (quando podem) têm. Vemos situações de brigas, armadilhas, delações e artimanhas em busca de serem especiais e privilegiados.

O ponto a ser destacado aqui é que a relação entre irmãos é permeada por diversos sentimentos, dos mais nobres aos mais difíceis e quando o dito cujo vai chegar inaugura-se uma relação que não existia e aparecem sentimentos que são muito trabalhosos.

Quando os pais podem estar atentos a isso, podem tentar acolher essas manifestações, acalmar a criança e garantir que o espaço no coração dos pais não vai ser dividido com o futuro bebê, mas sim vai nascer um novo espaço para o novo membro da família. A fantasia de abandono é muito comum no filho mais velho.

Com a agitação da chegada do novo bebê e todos os afazeres envolvidos, a família pode sentir que precisa tirar o filho mais velho de algumas atividades que este frequentava, de modo a facilitar a rotina da família. É necessário ter cautela, pois a criança já sente que perderá uma posição de filho único, teme perder mais que isso, é importante, portanto, preservar as atividades que ele já tinha, de repente contando com a ajuda de amigos e familiares na função de “mãe e paitorista”.

Quando é possível suportar os sentimentos difíceis, pode-se ver surgir uma relação muito intensa, íntima, de cumplicidade e companheirismo que só os irmãos conhecem.