Lidar com as contrariedades dos filhos é um desafio. Quando eles se recusam a fazer algo conforme planejado pelos pais a briga pode ser boa: gritos, choros, discussões que resultam em muito estresse familiar.
Proponho uma reflexão para ampliar o tema: por que será que a criança não quer fazer determinada coisa? Pode ser que queira apenas fazer o que é gostoso e dá prazer, choramingando pelas obrigações. Nesse caso é necessário calma e firmeza, mostrando para ela a necessidade daquela obrigação. No entanto, pode ser também que aquela criança esteja querendo explorar seu jeito de fazer as coisas, que pode ser diferente do jeito dos pais.
Como diferenciar? Às vezes é difícil, mas por exemplo: banho tem que ser tomado todos os dias; se ele vai ser pela manhã ou no final do dia é algo mais pessoal. Pode ser que numa determinada família, o pai e a mãe tinham o hábito de banhar-se à noite. Quando nasceu seu bebê, também banhavam-no ao final do dia. E assim foi até que ele crescesse um pouco. Esse filho então, não quer mais tomar seu banho à noite. Ficar sem tomar banho não é uma opção, mas escolher o horário mais agradável pode ser.
Às vezes algo funciona tão bem do jeito que fazemos, que achamos que aquele é o jeito certo de fazê-lo. Mas nem sempre, nem para todo mundo. Um filho é uma outra pessoa, um outro universo. Pode ser que alivie as brigas poder negociar, se abrir para esse novo jeito de ser que se anuncia com o crescimento de seu pequeno.
Andrew Solomon, jornalista americano, em seu livro “Longe da árvore: pais, filhos e a busca da identidade”, discute um conceito interessante sobre identidade. Há aquelas características compartilhadas, transmitidas de uma geração a outra não apenas pelo DNA, mas através de normas culturais comuns: são as identidades verticais. A etnia, a linguagem, a nacionalidade (exceto em imigrantes) são exemplos. Há outras que os filhos adquirem que são estranhas a seus pais: as identidades horizontais. Podem ser fruto de um gene recessivo, mutações ou valores e preferências que uma criança não compartilha com seus pais. Deficiências, orientação sexual, orientação política são exemplos de identidades horizontais.
Quando duas pessoas têm um filho existe um desejo de que estejam se perpetuando, pouco se pensa que na verdade se está produzindo uma pessoa nova, com toda uma personalidade própria, que vai ter suas identidades verticais e também horizontais. É uma relação com constante com um familiar e um estranho, uma descoberta que nem sempre é agradável.
Uma mãe que sempre tomou conta do peso, sempre em forma, descobrir que a filha não liga tanto assim pra ser um pouco gordinha pode ser um desafio! Essa mãe não pode deixar que a filha se empanturre de guloseimas e prejudique sua saúde, isso pode ser inquestionável, mas querer impor um modelo de beleza baseada em uma grande contenção alimentar pode ser algo violento para essa menina. As brigas desta então, não podem ser vistas como birra, mas como alguém em busca de ser ela mesma, algo saudável.
Portanto a diferenciação entre o que é essencial e o que pode ser escolhido segundo o jeito de ser de cada criança, pode facilitar a organização da rotina dentro de casa e ser um importante elemento na constituição da identidade de cada filho.